Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Bin Laden e o perdão (Blog Mosaico)


Por Lorenzo Albacete

Não há dúvida de que quem sofreu na carne ou viu sofrendo algum ente querido as consequências dos ataques terroristas de 2001 a notícia da morte de Bin Laden tenha suscitado um sentimento de “saúde emotiva”. Como na reação de Lee Lelpi, um bombeiro aposentado de New York cujo filho, que também era um bombeiro, perdeu a vida no desabamento das Torres Gêmeas, e que declarou no Il Politico: “não tenho palavras; estou aqui, sentado, chorando. Temia que este dia nunca fosse chegar... mas, a justiça prevaleceu”.
Posso entender esta reação, pensando nos parentes dos hispânicos, na paróquia na qual eu trabalhava, que morreram no atentado terrorista. O que me perturba é outro tipo de reação. Tão logo se difundiu a notícia da execução de Bin Laden, no final da noite de domingo, uma multidão aplaudindo e agitando bandeiras se amontoou diante da Casa Branca. Esse encontro desencadeou uma entusiasmada expressão de alegria e de orgulho patriótico, que muitos compararam à solidariedade que uniu todos os norte-americanos no dia 11 de setembro de 2001.
Outra massa de pessoas se reuniu para festejar em New York, em torno do venerado Ground Zero. Pouco a pouco, o mesmo aconteceu por toda a nação, especialmente perto dos campi universitários, inclusive da Academia Militar de West Point. Como alguém me disse: “Parecia a comemoração da vitória de um time de futebol”.
Michael Bloomberg, prefeito de New York, tentou explicar assim estas reações: “O assassinato de Osama Bin Laden não diminui o sofrimento que os nova-iorquinos e os norte-americanos experimentaram por sua causa, mas é uma vitória muito importante para a nossa nação. Em New York, esperamos por esta notícia por quase dez anos. A minha esperança é que traga conforto e um pouco de paz a todos aqueles que perderam alguém no dia 11 de setembro de 2001”. O problema desta explicação é que os participantes destas manifestações públicas eram universitários, que tinham 10 ou 12 anos quando dos ataques terroristas, e fica difícil imaginar que tenham esperado dez anos para essa comemoração.
Uma reação semelhante foi a de Condoleezza Rice, ex-Secretária de Estado e conselheira para a segurança nacional de Bush, que definiu a notícia como “absolutamente excitante”. “O fim de Osama Bin Laden é uma vitória enorme para o povo norte-americano”, disse Rice, “nada pode fazer com que as vítimas de Bin Laden voltem à vida, mas talvez isto possa ser uma bálsamo para as feridas de seus entes queridos que sobreviveram”.
Todavia, os funcionários que agiram durante os devastantes ataques, sobretudo os de New York, saudaram a morte de Bin Laden como um triunfo, mas nunca como uma contrapartida de mesma medida das vidas perdidas nestes fatos. Outros, porém, veem o assassinato de Bin Laden como um ato divino. Um bombeiro disse: “Deus abençoe o presidente Bush e Deus abençoe o presidente Obama por isso. É um grande alívio para as famílias, tanto quanto poderiam ter. É algo de grande para nós”.
Até ao final da manhã, os automóveis, nas ruas perto da Casa Branca, marcavam ao som de buzina o seu júbilo, enquanto que os pedestres se reuniam nas esquinas, como que seguindo o convite do presidente Obama: “Esta noite, lembremo-nos do sentido de unidade que prevaleceu” no momento dos ataques terroristas. “O resultado de agora é um testemunho da grandeza de nosso país e da determinação do povo norte-americano”.
Alguns entreviram a mão da divina Providência na data da execução de Bin Laden. No dia primeiro de maio, mais ou menos na mesma hora do discurso de Obama para a nação, a rádio alemã, em 1945, anunciava a morte de Hitler; e também nesse dia, J. Edgar Hoover era nomeado chefe do FBI. Aqueles, porém, que haviam definido o ataque terrorista um juízo de Deus sobre a imoralidade americana ainda não deram o ar da graça.
No entanto, há ainda outra possível manifestação do juízo divino nesta semana: a beatificação do Papa João Paulo II, no dia primeiro de maio, durante as celebrações do Domingo da Divina Misericórdia, festa criada pelo mesmo Beato João Paulo II. Lembro-me muito bem do estupor dos norte-americanos diante da capa da Time Magazine que mostrava o Papa enquanto abraçava aquele que havia tentado assassiná-lo.
A grande palavra da semana foi “alívio”, em sentido psicológico. Agora, finalmente, podemos “curar” os nossos corações feridos. Mas, será de fato possível? Podemos, verdadeiramente, ficar satisfeitos com a justiça feita por um poder humano?
A justiça que pode trazer uma verdadeira paz para os nossos coração feridos se chama perdão e deriva da fé em Cristo, como o Beato João Paulo II nos mostrou. Esta é a Divina Misericórdia que Jesus mesmo demonstrou ao homem crucificado ao Seu lado, um criminoso que, em termos modernos, chamaríamos de terrorista.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 4 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Este texto foi extraído do blog Mosaico, mantido por Paulo R. A. Pacheco.
Under Creative Commons License: Attribution

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mulher, não chores


(Colocação conclusiva de Dom Luigi Giussani: Exercícios da Fraternidade de CL, Rímini – Itália, 05/05/2002)

Naquela tarde, Jesus foi interrompido, parado no seu caminho em direção ao vilarejo ao qual se dirigia, ao qual se destinava, porque havia um choro altíssimo de mulher, com um grito de dor que feria o coração de todos os presentes, mas que feriu, feriu sobretudo o coração de Cristo.
“Mulher, não chores!” Uma mulher jamais vista, jamais encontrada antes.
“Mulher, não chores!” Que apoio podia ter aquela mulher que escutava a palavra que Jesus dizia?

“Mulher, não chores!”: quando se volta para casa, quando se vai de metrô, quando se sobre no ônibus, quando se vê a fila de carros pelas ruas, quando se pensa em todo o amontoado de coisas que interessam a vida de milhões de milhões de homens, de centenas de milhões de homens... Como é decisivo o olhar que uma criança ou um adulto “adulto” teriam dirigido àquele homem, o qual vinha à frente de um grupinho de amigos e que jamais tinha visto aquela mulher, mas que parou quando o som, o revérbero daquele choro chegou até Ele! “Mulher, não chores!”, como se ninguém a conhecesse, como se ninguém a reconhecesse mais intensamente, mais totalmente, mais definitivamente do que Ele!

“Mulher, não chores!”. Quando vemos – como falei antes – toda a movimentação do mundo, em cujo rio, em cujos riachos todos os homens se fazem presentes à vida, tornam a vida presente a si mesmos, a incógnita do fim nada mais é que a incógnita da maneira como chegaram a essa novidade, aquela novidade que faz encontrar um homem, faz encontrar um homem jamais visto, o qual, perante a dor da mulher que vê pela primeira vez, lhe diz: “Mulher, não chores!”

“Mulher, não chores!”: é esse o coração com o qual somos colocados diante do olhar e diante da tristeza, diante da dor de todas as pessoas com as quais nos relacionamos, pela rua ou na viagem, nas nossas viagens.

“Mulher, não chores!”. Que coisa inimaginável é que Deus – “Deus”, Aquele que faz o mundo inteiro neste momento -, vendo e ouvindo o homem, possa dizer: “Homem, não chores!”, “Você, não chore!”. “Não chore, porque não é para a morte mas para a vida que eu o fiz! Eu o coloquei no mundo, e o coloquei numa companhia grande de pessoas!”.
Homem, mulher, rapaz, moça, você, vocês, não chorem! Não chorem! Existe um olhar e um coração que os penetra até à medula dos ossos e que os ama até o seu destino, um olhar e um coração que ninguém pode desviar, ninguém pode tornar incapaz de dizer o que pensa e o que sente, ninguém pode tornar impotente!
“Gloria Dei vivens homo”. A glória de Deus, a grandeza dAquele que faz as estrelas do céu, que coloca no mar, gota por gota, todo o azul que o define, é o homem que vive.

Não há nada que possa suspender aquele ímpeto imediato de amor, de apego, de estima, de esperança. Porque tornou-se esperança para cada um que O viu, que ouviu: “Mulher, não chores!” que ouviu Jesus dizer assim: “Mulher, não chores!”.
Nada pode deter a certeza de um destino misterioso e bom!

Nós estamos juntos dizendo-nos: “Você aí, eu nunca o vi, não sei quem você é: não chore!”. Porque o choro é o seu destino, parece ser o seu destino inevitável: “Homem, não chores!”

“Gloria Dei vivens homo”: a glória de Deus – aquela por meio da qual sustenta o mundo, o universo – é o homem que vive, todo homem que vive: o homem que vive, a mulher que chora, a mulher que sorri, a criança, a mulher que morre mãe.

“Gloria Dei vivens homo”. Nós queremos isto e nada mais que isto, que a glória de Deus se manifeste a todo o mundo e alcance todos os âmbitos da terra: as folhas, todas as folhas das flores e todos os corações dos homens. Nunca nos vimos, mas é isto o que vemos e sentimos entre nós. Tchau!

terça-feira, 26 de abril de 2011

Páscoa 2011


"Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé" (1 Cor 15,14-15). [...] A fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos. Se se suprimir isto, certamente que ainda se poderá recolher da tradição cristã uma série de ideias dignas de nota sobre Deus e o homem, sobre o ser do homem e o seu dever-ser (uma espécie de concepção religiosa do mundo), mas a fé cristã estará morta. Nesse caso, Jesus [...] deixará de ser o critério de medida; o critério será apenas a nossa avaliação pessoal, que escolherá do seu acervo aquilo que pareça útil. E isto significa que ficaremos abandonados a nós próprios. A nossa avaliação pessoal será a última instância. Somente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda o mundo e a situação do homem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos podemos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadeiramente.
Bento XVI

O acontecimento não identifica somente uma coisa que aconteceu e com a qual tudo teve início, mas é aquilo que desperta o presente, define o presente, dá conteúdo ao presente, torna possível o presente.
O que se sabe ou o que se tem converte-se em experiência se aquilo que se sabe ou se tem é algo que nos é dado agora: há uma mão que no-lo oferece agora, há um rosto que vem avançando agora, há sangue que se derrama agora, há uma ressurreição que tem lugar agora. Fora deste "agora" não existe nada!
O nosso eu não pode ser movido, comovido, ou seja, transformado, a não ser por uma contemporaneidade: um acontecimento. Cristo é algo que me acontece agora.
Então, para que aquilo que sabemos − Cristo, todo o discurso sobre Cristo – seja experiência, é necessário que seja um presente que nos provoca e percute: é um presente, como para André e para João foi um presente. O cristianismo, Cristo, é exatamente aquilo que foi para André e João quando iam atrás dEle; imaginem quando Se voltou, e como ficaram impressionados! E quando foram a Sua casa... É sempre assim até agora, até este momento!
Luigi Giussani

DOMENICO, Zampieri (Domenichino). S. Giovanni Battista indica Gesù ai Santi Andrea e Giovanni. Brogi, Roma. Chiesa di S. Andrea della Valle.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Inimaginável antes, experimentável agora


Proponho o testemunho de uma enfermeira do Hospital Policlínico de Milão:

"Apresento-me: sou uma enfermeira do Hospital Policlínico de Milão. Faz alguns meses que vem se tratar uma moça com câncer. Uma entre muitas, como as tantas que vi passar por aqui nestes anos. Pessoas dilaceradas pela dor, sem nenhuma esperança, desiludidas, lutando só contra a doença, abandonadas à fúria da própria dor que faz descer a uma solidão imensa, onde se experimenta o abismo da miséria humana e o vazio de uma impotência diante do mal, que frequentemente nem os médicos nem nós, enfermeiros, podemos domar. Mas ela é diferente, diferente porque não chega aqui com o olhar resignado, está sempre serena, disponível, espera sempre com paciência, suporta qualquer dor, coletas de sangue, da medula, biopses. É como se não sofresse a dificuldade, mas quisesse vivê-la como protagonista, e a sua atitude de realismo é coragem de confrontar-se com a pergunta que o sofrimento nela e ao lado dela lhe coloca. Uma vez, enquanto injetava nela a quimioterapia, olhei para o seu belo rosto, os seus olhos azuis estavam cheios de lágrimas e os seus lábios murmuravam algo: era uma oração. Ela me traz mensalmente a revista de vocês e na Páscoa me deu de presente um "Cartaz", convidando-me também para o Retiro de Páscoa. Estou maravilhada com tudo isto e fascinada. Ultimamente, não vejo a hora que chegue a segunda-feira para poder vê-la, para poder falar com ela, mas mais do que tudo, para poder observá-la, enquanto torna sagrado aquilo que para muitos outros é moralmente uma condenação. A sua maneira de estar ali é mais verdadeira, mais digna. Quando lhe pergunto o qu faz para ficar tão serena apesar de tratamentos tão terríveis como aqueles e muitas vezes insuficientes para conter o mal, responde-me que ela é de Cristo e que portanto o sofrimento tem um sentido se ela o oferece a Ele. Eu não entendo, apenas posso intuir e invejar essa força interior, mas é força de vida. Não sou cristã praticante, mas desde qua a conheci é como se tivesse se tornado palpável para mim que alguma coisa deve haver: é evidente na sua pessoa, na sua maneira de ser. Se Cristo já teve um par de olhos para mim, são os dessa garota, que ama mais do que eu, que suscita em mim um sentimento de bem, de alegria só em vê-la. É a primeira vez para mim que nasce uma amizade com uma paciente. Sempre nos ensinaram a mantermos uma distância, para não ter de sofrer, mas com ela não é sofrimento, é letícia. Vejo nela e compreendo que mesmo uma doença como o câncer é, sim, um mistério, mas dentro de um projeto bom, como ela diz. A sua obediência, o seu deixar-se abraçar até o fundo não são sinal de resignação, mas de quem entendeu - como ela mesma me disse uma vez - que "nada acontece por acaso, mas para a glória de Deus". Nada é pobre, nenhuma condição está condenada à aridez, nenhum tempo é privado de esperança. É diferente até a maneira como trata a nós, enfermeros, aos médicos, aos outros pacientes. Tem sempre um sorriso. Chega de manhã muito cedo, para correr à escola depois do tratamento. Frequenta a Universidade, onde os seus amigos, diz ela, a provocam a não prender o olhar na sua condição de desconcerto, mas a reabrir os olhos, olhando para o encontro com Cristo. "Para transpor as situações críticas, quando tudo parece sem esperanças é preciso levantar a cabeça, é preciso reencontrar na história os sinais concretos de uma promessa eterna, a que nasce em um momento particular do tempo pessoal, trazendo consigo a totalidade", escreveu-me uma vez. Ele não deixa de lado o seu dever de estudar, e esta é a única coisa que me faz refletir muito. Quer dizer que o cristianismo não alivia você das incumbências da vida, mas lhe dá o motivo justo para enfrentá-las. As pessoas que vêm aqui normalmente não levam mais uma vida normal, ainda que o pudessem fazer, sentem-se "doentes", não buscam estímulos. Ela não, a doença não a aniquilou, ela continua a fazer o que tem de fazer, como pode, a doença não é par ela um limite, é motivo a mais para saborear a realidade. É comovente vê-la chegar aqui com os livros debaixo do braço, é a única aqui que tem um gancho com a realidade; não quer esquecer a dor, vive-a. O milagre torna excepcional a cotidianidade. A presença dessa garota me muda, me faz desejar mais da minha vida, uma alegria inimaginável antes, mas experimentável agora."
(Anna, de Milão - Itália: Revista Passos)

quinta-feira, 17 de março de 2011

JAPÃO. “Por que estou aqui, justamente agora?”



15/3/2011 - Publicada na REVISTA PASSOS a carta de uma jovem de Zurique que está em Tóquio para estudar, pelo período de um semestre. Depois do terremoto, ela deslocou-se para Hiroshima. Agora está em segurança. “Mas o que isso significa? Estamos mesmo salvos?”
Em Miyagi, o resgate após o terremoto.


Caros amigos, obrigada por todas as mensagens que vocês me escreveram e pelas preces. Estou tentando responder a cada um pessoalmente, mas o tempo é curto.
Cheguei faz algumas horas a Hiroshima. Saímos de Tóquio por causa do risco de emanação de material radioativo das centrais danificadas. Vivemos minuto a minuto. Estamos em segurança, mas o que isso significa? Temos medo de tudo. Estamos literalmente nas mãos do Senhor.
Infelizmente já são três horas da madrugada e amanhã tenho uma jornada difícil... vocês entendem. Portanto, me desculpem se lhes envio o trecho de um e-mail que escrevi para um de vocês.

Encontrei coragem para vir para o Japão porque tomei consciência de diversos fatos que aconteceram e de intuições, de emoções que senti e que me levaram a compreender que essa era a coisa certa para mim. Então, depois de três semanas de intensíssimas descobertas e ricos relacionamentos... Quem podia imaginar que o Senhor me levaria a participar pessoalmente deste drama cósmico?
O que eu estou fazendo aqui? Por que justamente agora? Senhor, o que posso fazer? O que me pedes? Como você pode ver, amigo, eu também estou em alto-mar... Mas estou segura de que o Senhor me acompanha. Estou absolutamente segura disso. A Graça do Senhor me acompanha em todos os lugares para onde vou. Esse é o único motivo de esperança, especialmente quando a situação tão urgente, como nestes dias.
Eu poderia dizer: “Bem, estou em Hiroshima, distante, estou em segurança, posso tomar o avião quando quiser”. Mas isso me basta? Claro que não. Estou literalmente atenta para captar cada mínimo aceno que me indique por que o Senhor me mandou para cá agora, por que agora me encontro com estas pessoas (três adultos e quatro crianças da comunidade de Comunhão e Libertação de Tóquio), como Cristo vence aqui e agora, de novo.
São duas horas da madrugada; esta manhã me levantei às quatro para falar com os meus familiares e depois decidir o que fazer, o meu espírito sofre pelas dezenas de milhões de pessoas que estão padecendo, estou em frangalhos. Mas com certeza não posso deixar de escrever para dizer que Deus está presente, e na dramaticidade do momento nos acompanha.
Ele nos envolve com o carinho da sua Presença. É isso que emerge quando olho para os outros que estão aqui comigo, para a atenção que um dedica ao outro, para a consciência de estarmos entregues completamente nas Suas mãos (e duas mulheres, aqui, deixaram hoje os maridos em Tóquio, e muitos outros amigos ficaram). Porque a dolorosa serenidade que nos enche não vem do fato de estarmos em segurança; isso não basta! Embora tenhamos saído de lá, podemos dizer verdadeiramente que estamos salvos?
Claro, eu tenho poucas coisas comigo, mas estes meus atuais companheiros de viagem saíram de casa deixando tudo (tudo! amigos, trabalho, casa) e nem sabem se um dia poderão retornar. Abandonar tudo, que obediência!
Assim, despojados de tudo, ainda mais fortemente emerge que o essencial não é o que temos, mas Aquele único que é capaz de satisfazer aos anseios do nosso coração, toda a nossa exigência de vida. Se eu não tivesse essa certeza, certamente já estaria como que morta, esmagada pelos acontecimentos.
No entanto, basta levantar o olhar e comover-se frente a um grupo de velhinhas sentadas em cadeirinhas de viagem que esta manhã eu vi trabalhando na pintura – com uma seriedade toda japonesa – da fachada de uma igrejinha neogótica, que – quem sabe como? – desponta em meio à confusão das ruas de Tóquio, para reencontrar a vontade de afirmar a vida incontida. E eu passava por elas com minhas malas e dizia: o que será delas...
Ou ainda enquanto eu admirava o panorama empolgante que se descortinava do terraço do apartamento destes amigos com os quais parti, essa multidão de cintilantes arranha-céus abraçados por uma nuvem de luz... Nunca vi uma coisa tão linda... Ah! se eu pudesse levar tudo embora comigo e com a população dentro!
Todo o meu íntimo se rebela se penso que tudo isso possa terminar em nada. Seja louvado Jesus Cristo, sempre seja louvado: Ele, ao morrer, nos doou a mais verdadeira das esperanças, nos mostrou como o amor ao Pai leva à Ressurreição.
Por isso, rezem constantemente, mas não só pelas vítimas dos terremotos, mas para que cada homem experimente a verdade da vida, verdade que nestes momentos tão dramáticos grita e vem à tona. Do contrário, já estamos como que mortos.
Não deixem de rezar; Deus é a única fonte da verdadeira esperança.
Um abraço,
Betty