Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

sábado, 18 de julho de 2009

Estrela da vida inteira (Manuel Bandeira)

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há
milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de
tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase e os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Cartas do Pe. Aldo 83

Asunción, 05 de julho de 2009.

Caros amigos,
Estou no avião, voltando de São Paulo, depois de dois dias de convivência com estes amigos excepcionais (no sentido que Giussani e Carrón nos ajudam a entender quando usam este adjetivo): Marcos, Cleuza, os coordenadores do movimento, Padre Julián, Alexandre, Enzo etc.
Estou “felicíssimo”, comovido como, naquele dia, os apóstolos ficaram, no Tabor, ou quando, pela primeira vez, encontrei Giussani na Via Martinengo, ou quando encontrei Julián Carrón, aqui em São Paulo, há dois anos atrás. Comigo, vieram Carlos Samudio, responsável da Companhia das Obras no Paraguai, e Tonino Saladino. Também para eles foi uma comoção incrível. Saladino renasceu, viu o que é o movimento, viu aquilo que o seu coração desejava, reencontrou a juventude, a ternura por si mesmo. Mas, deixarei que ele escreva para vocês o que lhe aconteceu.

1. Uma amizade excepcional que nasce do reconhecimento de Carrón como pai, como a continuidade histórica de Giussani. Muitos me perguntam, mesmo no Brasil: “O que tocou mais a você naquilo que Carrón disse nos Exercícios?”. A minha resposta é: “o seu modo de viver a fé, a sua paixão por Cristo e, portanto, pelo humano, pela humanidade de cada um, a sua capacidade de apontar os Zerbini como o sinal mais claro da presença de Cristo, do que o Movimento, desafiando, assim, o nosso ceticismo”.
Exemplos dessa amizade excepcional. Cheguei a São Paulo na quinta-feira à noite com Tonino e Carlos. Os Zerbini estavam me esperando. Três coisas me deixaram literalmente sem palavras:
a) Marcos estava usando uma camisa de Ao-Poi (um tecido típico do Paraguai), que eu lhe havia presenteado 15 dias atrás. Cleuza me disse: “Esta manhã, quando se levantou, eu o vi fuçando no armário e lhe perguntei: ‘Marcos, o que está procurando?’; e ele respondeu: ‘Hoje, chega o amigo P.e Aldo e quero recebê-lo usando a camisa que ele me deu de presente”. O que eu poderia dizer? E, além do mais, sendo um deputado, ele tinha um monte de trabalho para fazer.
b) Naquela tarde, tinha um compromisso com o governador do Estado de São Paulo (que tem 38 milhões de habitantes) e com o cônsul italiano. Chegou ao compromisso com uma hora de atraso. O governador lhe perguntou: “Marcos, por que este atraso (eles são amigos)?”. E Marcos respondeu: “Precisava ir receber o meu caro amigo Padre Aldo, porque tenho necessidade de estar com quem me lembra Jesus, com quem vive a consciência do Mistério”. Eu lhes conto essas coisas com vergonha e porque vocês são meus amigos... mas, onde, hoje, podemos encontrar homens com esta estatura? E o governador ficou tocado. Como gostaria que todos os meus amigos compreendessem porque Carrón nos indica este homem, Marcos, e Cleuza!
c) A sopa para o Padre Aldo. De noite, depois da Escola de Comunidade com o amigo P.e Julián, da qual participaram mais de 100 pessoas, todos tomaram sopa. Aquilo que se arrecada é para as Casinhas de Belém: mil dólares também neste mês de julho. Mas, por que para as Casinhas de Belém, com todas as necessidades que eles têm? “Porque a Escola de Comunidade precisa originar um gesto de caridade. E a caritativa da sopa é para recordar os nossos amigos, os rostos dos nossos amigos do Paraguai”. A caritativa como memória de um rosto ou de rostos! É uma coisa, de fato, nova para mim.
2. A participação na Escola de Comunidade, no sábado de manhã. Às 6h, Cleuza “toca”, com a sua voz, o despertador. Café da manhã à brasileira e, logo em seguida, pegamos o rumo para o galpão (3 mil lugares), porque às 7h (era sábado, entendem?!!) começava a primeira Escola de Comunidade. Que surpresa: centenas de jovens, centenas de belas moças – mas belas mesmo! como as brasileiras sabem ser! – correm com o rosto alegre, mesmo que cansados. Cleuza me diz: “Muitos trabalham até a uma da manhã, outros se levantaram às 4h... moram nos quatro cantos de São Paulo (que tem 18 milhões de habitantes)”. Olho, rezo e penso em Giussani que vê, do céu, o reflorescer do Movimento, vê reacontecer aquilo que ele frequentemente repetia para nós: “É necessário criar um movimento no Movimento”. Agradeço a Deus pelo dom de Carrón, que nos indica Marcos e Cleuza para olhar.
Às 7h os salão estava cheio: 3 mil jovens. Uma ordem e um silêncio precisos. Quem chegava um minuto depois era deixado para fora. E alguns permaneciam do lado de fora... olhei para seus rostos e estavam tristes, porque deveriam voltar só no próximo mês. Cleuza me viu preocupado e me disse: “Padre Aldo, hoje, daremos uma anistia para os atrasados, porque você está conosco”. Eu lhe agradeci e os vi felizes.
Uma coisa me tocou, porque é sinal do coração de Cleuza: perto do banheiro se assentaram várias garotas grávidas ou com problemas de saúde. Cleuza me disse: “Olha, reservamos este lugar para elas, que precisam do banheiro mais frequentemente. Assim, estando aqui, não precisam percorrer todo o salão e atrapalhar o silêncio”. Que atenção à pessoa!
Começa a assembléia. A pergunta que fizeram no mês anterior (a assembléia é mensal) era: “Como você está construindo o seu eu?”. Intervenções em cascata, mas não palavras... febre de vida. Marcos guia e responde de modo claro, simples e preciso às perguntas que são fatos da vida. Fatos muitas vezes dolorosos. Uma pergunta: “Quero entender como faço para saber se uma coisa corresponde ou não ao meu coração”. Uma pergunta belíssima, porque parte de um dos 3 mil jovens que não estão “habituados” às coisas que nos dizemos. Frescor, simplicidade, vida. Uma festa de perguntas que querem saber o por quê de tudo.
Não me dei conta e, quando vi, já era a hora da segunda assembléia... outros 3 mil jovens... e, assim, a cada três horas, até domingo à noite. Vim embora com o os olhos cheios e o coração transbordante.

Num mundo onde todos analisam a questão da juventude, se fazem documentos... Aqui, pelo contrário, é tudo simples. Aqui, uma só coisa é evidente: Marcos e Cleuza vivem aquilo que Giussani e Carrón nos testemunharam sempre: uma febre de vida que nasce da paixão por Cristo. Tenho apenas um desejo no coração: "Senhor, faça-me, de verdade, uma só coisa contigo, como Marcos e Cleuza o são"... porque este é o único problema verdadeiro da vida: a fé.
Todas as intervenções sublinhavam duas coisas: o Mistério e a Associação como respostas à necessidade deles. Diziam tudo com este binômio que, na realidade, é uma coisa só: da fé, um método.

Caros amigos, boas férias... recordemo-nos que, deste lado do mundo existe, de verdade, há um outro mundo que vibra, cresce e nos dá um novo coração, porque é mesmo profético para todos e para o mundo inteiro aquilo que está acontecendo em São Paulo. Como Giussani deve estar feliz no céu... vendo, finalmente, realizar-se aquilo que ele sempre disse e que eu escutei, em Viterbo, nos anos 70, pela primeira vez num encontro com professores: “É preciso que nasça um movimento no Movimento”. Mas, para isto, existe um caminho real: seguir Carrón e aquilo que ele nos repete todos os dias. Marcos e Cleuza são filhos de Carrón e este é o coração da questão. Mas – pensem! –, um povo de mais de 100 mil pessoas, que segue duas pessoas simples como a água, humildes e de uma obediência cheia de liberdade a Carrón, o nome mais conhecido no meio desta gente.
O amigo Tonino Saladino, que está comigo há um mês, está também felicíssimo e comovido... não podia acreditar nos seus olhos. Reencontrou o frescor do início, como repete para todos com quem se encontra ou para quem telefona.
Com afeto,
Aldo