Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Páscoa 2011


"Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé" (1 Cor 15,14-15). [...] A fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos. Se se suprimir isto, certamente que ainda se poderá recolher da tradição cristã uma série de ideias dignas de nota sobre Deus e o homem, sobre o ser do homem e o seu dever-ser (uma espécie de concepção religiosa do mundo), mas a fé cristã estará morta. Nesse caso, Jesus [...] deixará de ser o critério de medida; o critério será apenas a nossa avaliação pessoal, que escolherá do seu acervo aquilo que pareça útil. E isto significa que ficaremos abandonados a nós próprios. A nossa avaliação pessoal será a última instância. Somente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda o mundo e a situação do homem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos podemos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadeiramente.
Bento XVI

O acontecimento não identifica somente uma coisa que aconteceu e com a qual tudo teve início, mas é aquilo que desperta o presente, define o presente, dá conteúdo ao presente, torna possível o presente.
O que se sabe ou o que se tem converte-se em experiência se aquilo que se sabe ou se tem é algo que nos é dado agora: há uma mão que no-lo oferece agora, há um rosto que vem avançando agora, há sangue que se derrama agora, há uma ressurreição que tem lugar agora. Fora deste "agora" não existe nada!
O nosso eu não pode ser movido, comovido, ou seja, transformado, a não ser por uma contemporaneidade: um acontecimento. Cristo é algo que me acontece agora.
Então, para que aquilo que sabemos − Cristo, todo o discurso sobre Cristo – seja experiência, é necessário que seja um presente que nos provoca e percute: é um presente, como para André e para João foi um presente. O cristianismo, Cristo, é exatamente aquilo que foi para André e João quando iam atrás dEle; imaginem quando Se voltou, e como ficaram impressionados! E quando foram a Sua casa... É sempre assim até agora, até este momento!
Luigi Giussani

DOMENICO, Zampieri (Domenichino). S. Giovanni Battista indica Gesù ai Santi Andrea e Giovanni. Brogi, Roma. Chiesa di S. Andrea della Valle.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Inimaginável antes, experimentável agora


Proponho o testemunho de uma enfermeira do Hospital Policlínico de Milão:

"Apresento-me: sou uma enfermeira do Hospital Policlínico de Milão. Faz alguns meses que vem se tratar uma moça com câncer. Uma entre muitas, como as tantas que vi passar por aqui nestes anos. Pessoas dilaceradas pela dor, sem nenhuma esperança, desiludidas, lutando só contra a doença, abandonadas à fúria da própria dor que faz descer a uma solidão imensa, onde se experimenta o abismo da miséria humana e o vazio de uma impotência diante do mal, que frequentemente nem os médicos nem nós, enfermeiros, podemos domar. Mas ela é diferente, diferente porque não chega aqui com o olhar resignado, está sempre serena, disponível, espera sempre com paciência, suporta qualquer dor, coletas de sangue, da medula, biopses. É como se não sofresse a dificuldade, mas quisesse vivê-la como protagonista, e a sua atitude de realismo é coragem de confrontar-se com a pergunta que o sofrimento nela e ao lado dela lhe coloca. Uma vez, enquanto injetava nela a quimioterapia, olhei para o seu belo rosto, os seus olhos azuis estavam cheios de lágrimas e os seus lábios murmuravam algo: era uma oração. Ela me traz mensalmente a revista de vocês e na Páscoa me deu de presente um "Cartaz", convidando-me também para o Retiro de Páscoa. Estou maravilhada com tudo isto e fascinada. Ultimamente, não vejo a hora que chegue a segunda-feira para poder vê-la, para poder falar com ela, mas mais do que tudo, para poder observá-la, enquanto torna sagrado aquilo que para muitos outros é moralmente uma condenação. A sua maneira de estar ali é mais verdadeira, mais digna. Quando lhe pergunto o qu faz para ficar tão serena apesar de tratamentos tão terríveis como aqueles e muitas vezes insuficientes para conter o mal, responde-me que ela é de Cristo e que portanto o sofrimento tem um sentido se ela o oferece a Ele. Eu não entendo, apenas posso intuir e invejar essa força interior, mas é força de vida. Não sou cristã praticante, mas desde qua a conheci é como se tivesse se tornado palpável para mim que alguma coisa deve haver: é evidente na sua pessoa, na sua maneira de ser. Se Cristo já teve um par de olhos para mim, são os dessa garota, que ama mais do que eu, que suscita em mim um sentimento de bem, de alegria só em vê-la. É a primeira vez para mim que nasce uma amizade com uma paciente. Sempre nos ensinaram a mantermos uma distância, para não ter de sofrer, mas com ela não é sofrimento, é letícia. Vejo nela e compreendo que mesmo uma doença como o câncer é, sim, um mistério, mas dentro de um projeto bom, como ela diz. A sua obediência, o seu deixar-se abraçar até o fundo não são sinal de resignação, mas de quem entendeu - como ela mesma me disse uma vez - que "nada acontece por acaso, mas para a glória de Deus". Nada é pobre, nenhuma condição está condenada à aridez, nenhum tempo é privado de esperança. É diferente até a maneira como trata a nós, enfermeros, aos médicos, aos outros pacientes. Tem sempre um sorriso. Chega de manhã muito cedo, para correr à escola depois do tratamento. Frequenta a Universidade, onde os seus amigos, diz ela, a provocam a não prender o olhar na sua condição de desconcerto, mas a reabrir os olhos, olhando para o encontro com Cristo. "Para transpor as situações críticas, quando tudo parece sem esperanças é preciso levantar a cabeça, é preciso reencontrar na história os sinais concretos de uma promessa eterna, a que nasce em um momento particular do tempo pessoal, trazendo consigo a totalidade", escreveu-me uma vez. Ele não deixa de lado o seu dever de estudar, e esta é a única coisa que me faz refletir muito. Quer dizer que o cristianismo não alivia você das incumbências da vida, mas lhe dá o motivo justo para enfrentá-las. As pessoas que vêm aqui normalmente não levam mais uma vida normal, ainda que o pudessem fazer, sentem-se "doentes", não buscam estímulos. Ela não, a doença não a aniquilou, ela continua a fazer o que tem de fazer, como pode, a doença não é par ela um limite, é motivo a mais para saborear a realidade. É comovente vê-la chegar aqui com os livros debaixo do braço, é a única aqui que tem um gancho com a realidade; não quer esquecer a dor, vive-a. O milagre torna excepcional a cotidianidade. A presença dessa garota me muda, me faz desejar mais da minha vida, uma alegria inimaginável antes, mas experimentável agora."
(Anna, de Milão - Itália: Revista Passos)