Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

Os Discípulos (Eugene Burnand, 1898)

quinta-feira, 17 de março de 2011

JAPÃO. “Por que estou aqui, justamente agora?”



15/3/2011 - Publicada na REVISTA PASSOS a carta de uma jovem de Zurique que está em Tóquio para estudar, pelo período de um semestre. Depois do terremoto, ela deslocou-se para Hiroshima. Agora está em segurança. “Mas o que isso significa? Estamos mesmo salvos?”
Em Miyagi, o resgate após o terremoto.


Caros amigos, obrigada por todas as mensagens que vocês me escreveram e pelas preces. Estou tentando responder a cada um pessoalmente, mas o tempo é curto.
Cheguei faz algumas horas a Hiroshima. Saímos de Tóquio por causa do risco de emanação de material radioativo das centrais danificadas. Vivemos minuto a minuto. Estamos em segurança, mas o que isso significa? Temos medo de tudo. Estamos literalmente nas mãos do Senhor.
Infelizmente já são três horas da madrugada e amanhã tenho uma jornada difícil... vocês entendem. Portanto, me desculpem se lhes envio o trecho de um e-mail que escrevi para um de vocês.

Encontrei coragem para vir para o Japão porque tomei consciência de diversos fatos que aconteceram e de intuições, de emoções que senti e que me levaram a compreender que essa era a coisa certa para mim. Então, depois de três semanas de intensíssimas descobertas e ricos relacionamentos... Quem podia imaginar que o Senhor me levaria a participar pessoalmente deste drama cósmico?
O que eu estou fazendo aqui? Por que justamente agora? Senhor, o que posso fazer? O que me pedes? Como você pode ver, amigo, eu também estou em alto-mar... Mas estou segura de que o Senhor me acompanha. Estou absolutamente segura disso. A Graça do Senhor me acompanha em todos os lugares para onde vou. Esse é o único motivo de esperança, especialmente quando a situação tão urgente, como nestes dias.
Eu poderia dizer: “Bem, estou em Hiroshima, distante, estou em segurança, posso tomar o avião quando quiser”. Mas isso me basta? Claro que não. Estou literalmente atenta para captar cada mínimo aceno que me indique por que o Senhor me mandou para cá agora, por que agora me encontro com estas pessoas (três adultos e quatro crianças da comunidade de Comunhão e Libertação de Tóquio), como Cristo vence aqui e agora, de novo.
São duas horas da madrugada; esta manhã me levantei às quatro para falar com os meus familiares e depois decidir o que fazer, o meu espírito sofre pelas dezenas de milhões de pessoas que estão padecendo, estou em frangalhos. Mas com certeza não posso deixar de escrever para dizer que Deus está presente, e na dramaticidade do momento nos acompanha.
Ele nos envolve com o carinho da sua Presença. É isso que emerge quando olho para os outros que estão aqui comigo, para a atenção que um dedica ao outro, para a consciência de estarmos entregues completamente nas Suas mãos (e duas mulheres, aqui, deixaram hoje os maridos em Tóquio, e muitos outros amigos ficaram). Porque a dolorosa serenidade que nos enche não vem do fato de estarmos em segurança; isso não basta! Embora tenhamos saído de lá, podemos dizer verdadeiramente que estamos salvos?
Claro, eu tenho poucas coisas comigo, mas estes meus atuais companheiros de viagem saíram de casa deixando tudo (tudo! amigos, trabalho, casa) e nem sabem se um dia poderão retornar. Abandonar tudo, que obediência!
Assim, despojados de tudo, ainda mais fortemente emerge que o essencial não é o que temos, mas Aquele único que é capaz de satisfazer aos anseios do nosso coração, toda a nossa exigência de vida. Se eu não tivesse essa certeza, certamente já estaria como que morta, esmagada pelos acontecimentos.
No entanto, basta levantar o olhar e comover-se frente a um grupo de velhinhas sentadas em cadeirinhas de viagem que esta manhã eu vi trabalhando na pintura – com uma seriedade toda japonesa – da fachada de uma igrejinha neogótica, que – quem sabe como? – desponta em meio à confusão das ruas de Tóquio, para reencontrar a vontade de afirmar a vida incontida. E eu passava por elas com minhas malas e dizia: o que será delas...
Ou ainda enquanto eu admirava o panorama empolgante que se descortinava do terraço do apartamento destes amigos com os quais parti, essa multidão de cintilantes arranha-céus abraçados por uma nuvem de luz... Nunca vi uma coisa tão linda... Ah! se eu pudesse levar tudo embora comigo e com a população dentro!
Todo o meu íntimo se rebela se penso que tudo isso possa terminar em nada. Seja louvado Jesus Cristo, sempre seja louvado: Ele, ao morrer, nos doou a mais verdadeira das esperanças, nos mostrou como o amor ao Pai leva à Ressurreição.
Por isso, rezem constantemente, mas não só pelas vítimas dos terremotos, mas para que cada homem experimente a verdade da vida, verdade que nestes momentos tão dramáticos grita e vem à tona. Do contrário, já estamos como que mortos.
Não deixem de rezar; Deus é a única fonte da verdadeira esperança.
Um abraço,
Betty